A chuva da noite não me mazela o corpo, habituo-me a ela tal como se me tomasse ao de leve e me guardasse até no cimo do monte, de onde se alcança o rio com as luzes que cintilam na noite que não dorme, que por cá também as há. Falaste-me numa canja de mocho a dada altura e fiquei repugnada, não me interessa nada que cure os males respiratórios que sinto quando me dou às tuas mãos mais a sério, quando abandono a distância da vontade e a substituo pela existência do facto sentido, muito além do pensamento. As mezinhas caseiras nunca foram merecedoras da minha atenção, nunca fui dada a ditos milenares que banham peles em leite de cabra e que rodeiam olhos com pepinos, parece-me tudo uma versão arcaica do não menos arcaico calicida indiano, que come os pés das velhas e lhe conserva os calos. Deixa-te disso, apetece-me dizer-te, não me atafulhes o corpo de sabedorias que não interessam nem ao menino jesus, dota-me só das sapiências verdadeiramente importantes, aquelas que me balbucias normalmente baixo na redondeza dos meus ouvidos, como se o resto de mim não as pudesse ouvir. Murmura-me palavras que me façam sorrir, anda, num mundo pouco afável que conhecemos sem medos, o que potencia uma verdadeira assombração de ideias digeridas e consubstanciadas, ora por dentro, ora por fora, eventualmente a única forma possível de saber. A sério, desliza, vá. Resvala, escorrega que eu agarro-te, faz-me rir até perder o fôlego que controlo milimetricamente, assim possa, assim deixes. Ri comigo, claro, tens de rir comigo, enquanto me agarras nas mãos e me levas, que eu vou. Depois, depois ou antes, durante até, é tragar as malditas intemperanças e decapitá-las com uma lâmina cirúrgica que se arremessa em urgência no sítio exacto, sem hipótese de evasivas, sequer ensaios ou subterfúgios. Uma morte certa, remédio santo.
As meninas pequeninas ficam repugnadas por tudo e por nada. Canja de mocho, pois claro! Nada como um bom ritual de iniciação para uma boa gargalhada. Depois, resvalo, escorrego e deslizo muito melhor.
ResponderEliminarCom tudo e com nada, não diria, mas com canja de mocho, ó pá, fiquei...
EliminarQuanto ao resto, bom, quanto ao resto, parece-me muito bem. Começamos na gargalhada, depois resvalamos, escorregamos, deslizamos, matamos o que há a matar e rimos outra vez. Boa?
Não perder o sentido da certeza, é de primordial importância; a forma de reconhecer o valor da morte, e do sabor da vida.
ResponderEliminarE... de Pessoa, dito por Bethânia:
http://www.youtube.com/watch?v=sTwcoBvA3nU
O Bartolomeu gosta de música, estou a ver. Não perder o sentido de coisa nenhuma, é importante, sim.
ResponderEliminar