quarta-feira, 3 de maio de 2017

papoila

Hoje encontrei a Joaninha nas redes sociais a agarrar uma papoila muito perfeita, enquanto olhava com dedicação para o seu novo amor. Este baixava a cabeça ao nível do seu olhar, e sorriam um para o outro, moderadamente, para a fotografia. Lembro-me muito bem da Joaninha há uns anos atrás. É impossível não lembrá-la, Joaninha fazia questão de se dar a conhecer, de ocupar o seu espaço de rigor, de mostrar sempre que a razão era a erudita deste mundo, e que qualquer fraqueza de menina era uma leviandade. Gostava muito de elevar a voz a uns gritos muito estridentes, de primar pela ordem, pelo exagero, o politicamente correcto, o perfeito. Com ela por perto não havia lugar para sentir o que quer que fosse além do protocolo, escolhido a dedo para a ocasião, nascido e criado para cumprir, repetir, elevar à exaustão do caderninho de duas linhas onde antigamente os pobres desajeitados escreviam cópias sem parar, em tamanho reduzido, nem que a maleita estivesse nos olhos e a cura morasse numas armações de massa grossa. Ao deparar-me com ela naquele propósito, criteriosamente desmanchada, despenteada, significativamente envaidecida e adornada a flores do campo, fiquei um tanto ou quanto desorientada. Olhei-a insistentemente à procura do rigor do camiseiro, do olhar sério e carrancudo, do ar espartano dos cabelos, e mais, da pose concisa e precisa da sua casta posição. Qual não foi o meu espanto, quando não encontrei nada disso. Qual não foi a minha surpresa, quando vejo uma Joaninha apaixonada, a mesma que há uns bons anos matava com o olhar as pobres das raparigas que se aventuravam a sorrisos e beijos discretos, como se as ditas cometessem um pecado capital, ao sentirem sem vergonha o amor adolescente. Fiquei feliz por ela, finalmente sorriu e olhou para tudo o que uma paixão pode fazer. Deve ser grande, deve ser enorme. Só assim percebo o pormenor da papoila entre os dois, de pétalas delicadas, batidas pelo vento ao entardecer, tudo isto sem morrer. O amor é o que move o mundo. O que mata o ódio maior, o que engrandece as flores menores, o que ridiculariza as almas embrutecidas que se engolem a si mesmas, num só trago. Deve ser neste exacto momento que alguns não suportam e perecem, engasgados.

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